-- Boa música -- comento, surpreendida e já confortavelmente instalada.
-- Linda, não é? -- responde ele, um trintão de jeans e camisa de flanela. -- Sonata ao Luar. Ah, eu só oiço a Antena 2. A senhora gosta de ópera? De algumas? Pois,é preciso aprender a gostar. E quem não gosta de Canto...Eu, por exemplo, prefiro, mas de longe, as óperas latinas, os nossos intelectuais gostam todos muito de Wagner mas eu cá prefiro os italianos. Puccini! A senhora já ouviu a Madame Butterfly? E a Tosca? Também? Ah, o trio perfeito da Tosca! Para mim, claro. Sabe quem são? A Callas, o Gobbi e o Di Stefano. Cá, pouca gente conhece o Di Stefano, o preferido da Callas. Muito melhor que o parvarotti, como eu lhe chamo. (...) E La Bohème? Conhece? Não, não é a do Puccini. É a do Leoncavallo, o dos Palhaços. Que maravilha, os Palhaços! Têm outra melodia, as italianas. Olhe, se eu for para as berças, pró Alentejo profundo ou para Trás-os-Montes, e me puser a trautear uma ária de uma ópera italiana, toda a gente acha bonito; se for alemã, são capazes de correr comigo à pedrada! (...) Ora, cá estamos. Corte Inglês. Comprinhas de Natal, não é?
-- Pague-se de 5 -- digo-lhe, olhando para o taxímetro que marca 3, 85. -- Pela aula -- acrescento, com um sorriso.
(Isto passou-se ontem à tarde e transcrevo apenas uma pequena parte do longo e arrebatado monólogo de tão simpático e inesperado melómano).